quarta-feira, 22 de julho de 2020

Fanzines: catalizadores da cultura punk


professor de história, membro do Centro de Cultura Social e do Núcleo Estudos Libertários Carlo Aldheregi. Julho de 2020.
Antônio Carlos, professor de história, membro do Centro de Cultura Social e do Núcleo Estudos Libertários Carlo Aldheregi. Julho de 2020.


Resenha COLETIVO CANCROCÍTRICO – O ANTI-LARANJAS

O fanzines é a apostila feita pelo próprio aluno.
Renato Lauris Jr, editor do zine revista Sobrevidas,
                                                                    Professor de história e coordenador pedagógico.

     É curioso, mas no milênio passado, mais precisamente em 1980, o Movimento Punk ainda vivia uma fase confusa em termos de ideias e ideais. Tinha gente que usava suástica, dizia que o punk era apolítico, era um movimento só musical, brigas, muitas gangues, etc. É o que alguns de nós chamamos de “Fase Caverna”.
Faltava para jovens que como eu viviam nas periferias das cidades, com enormes dificuldades de acesso, principalmente financeiras, um elemento concreto de divulgação da cultura punk, mas esse só podia ser feita pelos que viviam o movimento. O FAÇA VOCE MESMO!
     Além das bandas, dos shows e dos encontros esse elemento se materializou com os fanzines punks. Em 1981 surgem os primeiros com o Factor Zero, editado por David Strongos, da banda Anarcolátras de São Paulo, e Exterminação de São Bernardo do Campo, editado pela banda Ustler, ambos refletiam o espírito punk e hardcore da época.
     É o momento que o punk começa a dialogar com outros punks do seu bairro, cidade, outros estados e países, vão dando voz, refletindo, revendo e construindo o que seria o punk nos anos depois, a cultura punk em constante construção.
     Fiz parte desse enorme contingente de homens e mulheres que faziam zines. Entre 1984 e 1985 publiquei quatro números do Anti Sistema, em 1986 junto com meu amigo/irmão Bororó e a Tania minha ex-professora, três números do Aborto imediato para o renascer de um novo espermatozoide. Com eles me comuniquei com gente de todos Brasil e vários países, cheguei na Finlândia. Esse prazer virou um acervo que hoje encontra-se no CEDIC-PUC/SP e um livro chamado “Os fanzines contam uma história sobre os punks”.
É participando do Centro de Cultura Social de SP, espaço anarquista, que tive contato pela primeira vez com o “Cancrocítrico – o anti-laranjas” em 1988. Sua leitura era um retorno as coisas mais simples e básicas do movimento punk.
     Para nós que mal tínhamos acesso a uma máquina de escrever (datilografar) usávamos de colagens com cola e tesoura, escrevíamos e desenhávamos a mão, ele era visualmente parecido com o que produzimos anos antes. Os textos simples, objetivos e com uma mensagem direta.
     Assim é que ao longo dos anos continuei me correspondendo com o Luis, ou Cientista recebendo e lendo com muito prazer o boletim do Coletivo que ele organizou de mesmo nome do zine, O Cancrotitrico.
     Em 1992 eu já trabalhava na organização do acervo de documentos sobre o movimento punk quando eles organizaram o II Fanzi-Encontro de Londrina, não pude comparecer mas enviei minhas saudações e um proposta para o encontro, publicado no nº 18.
     Fazer um fanzines é algo que exige dedicação, muito trabalho, envolvimento emocional e financeiro, muito envolvimento financeiro. Produzir o zine é ler, interpretar, selecionar, escrever, digitar, diagramar, ilustrar, distribuir, receber as correspondências, responde-las. Acabou? Não! Mal terminou um e já se começa a pensar no outro.
     Imagine então fazer um encontro reunindo pessoas que como você tem a mesma paixão? Quem convidar? Onde aloja-los? Como vão se alimentar?  Ainda que cada um cubra seus custos, imagine alguém quem nunca esteve naquele lugar, quem acompanha o visitante até um lugar bom e barato para comer?
     Fazemos um encontro de zines? tá! Qual a pauta? O que se pretende com esse encontro? Teremos palestras, workshops, oficinas, rodas de conversa? Ainda que como libertário não queira impor nada a ninguém tem que se ter um objetivo, uma organização.
Quando olhamos em retrospectiva imaginem fazer um zine durante praticamente 5 anos, fazer dois encontros de fanzines, ter uma banda, ainda trabalhar, estudar, enfim viver. O Luís é um sujeito de uma grande disposição. Sabemos o quanto isso é prazeroso, o quanto aprendemos e crescemos emocional e intelectualmente, mas isso exige um nível de comprometimento incrível.
     Aí você pensa, o sujeito está lá vivendo a vida dele, fazendo o som que gosta viajando com a banda. Não, ele que já produz vídeos da sua e de outras bandas e outros trabalhos vem e nos traz esse brilhante documentário “Coletivo Cancrocitrico – o Anti-Laranjas” que trata de um pouco de toda essa história.
     Traz imagens dos zines, os depoimentos dos zineiros e zineiras, as imagens dos encontros, das bandas, de pessoas que apesar de, aparentemente, não ter relação nenhuma com a história, na verdade explicam esses contextos e falam da determinação do Luís enquanto um grande musico e produtor cultural.
Tive o prazer de ter uma rápida aparição no documentário, ao que agradeço ao Luís pela recordação, de rever pessoas queridas que a muitos anos não via, de viajar na minha própria memória recordando coisas tão importantes da minha vida. Ver meu trabalho e de tanta gente valorizados.
     Espero que o documentário alcance a repercussão que merece por ser um registro e uma importante reflexão da forma de vida e produção cultural dessa juventude tão marginalizada.
     Hoje com 55 anos, três filha e um neto, fico meio na bronca quando alguém diz “a geração da minha época era melhor” como se pudéssemos viver parados num tempo de forma nostálgica como se a vida fosse o passado “lindo e maravilho” que eu mentalmente construí.
     Nós fizemos parte de uma geração que como muitas foi marginalizada e excluída. Principalmente nós do punk que já fomos a “escoria” da sociedade. O documentário Coletivo “Cancrocitrico – o Anti-Laranjas” vem e mostra que apesar do que tentaram nos atribuir o que nós fomos, como tantos antes e muitos depois de nós, que pensamos, agimos, erramos, aprendemos e contribuímos para construir uma outra realidade. Melhor? Isso cabe a você que assistirá o documentário refletir. Desde já agradeço ao Luís e a você que assistirá esse documentário.

ANTÔNIO CARLOS, professor de história, membro do Centro de Cultura Social e do Núcleo Estudos Libertários Carlo Aldheregi. Julho de 2020.


Para assistir clique no link abaixo e dê play:

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